Grande parte das pessoas não gosta de ouvir o som da própria voz em gravações, porque acha que a voz soa estranha, mais aguda, “de taquara”, e por aí em diante. Se você acha que a sua voz fica diferente na gravação, eu tenho algo para te contar: você não está só! Nesse texto, vou te ajudar a entender um pouco mais sobre o porquê a sua voz fica diferente na gravação.
Índice:
ToggleÉ normal a voz ficar diferente na gravação?
A resposta para essa pergunta é:
— Sim! É perfeitamente normal a sua voz ficar diferente na gravação.
A verdade é que o problema não está na gravação em si ou na qualidade do equipamento. É na forma como nós ouvimos a nossa própria voz que está a diferença entre ouvir a própria voz e ouvir a gravação. Para entender porque isso acontece, você precisa conhecer um pouco mais a fundo o funcionamento do sistema auditivo.
Anatomia da Orelha: sistema auditivo periférico
Primeiro de tudo, as nossas orelhas são a principal porta de entrada do nosso sistema auditivo. Basicamente, a anatomia divide a orelha em três partes: orelha externa, orelha média e orelha interna. É a partir dessa divisão que a fonoaudiologia e outras áreas da saúde costumam estudar o sistema auditivo. Isso porque cada uma dessas três partes possui uma função específica no processo de ouvir. É nessa divisão, também, que a gente encontra o principal motivo para a nossa voz ficar diferente na gravação.
1ª Parte: orelha externa
A maior parte das pessoas costuma chamar a orelha externa, na linguagem popular, de “orelha” de fato. Porém, para a anatomia, precisamos saber onde começa e onde termina a orelha externa — lembre-se, a ciência busca oferecer uma descrição precisa das estruturas, para evitar interpretações equivocadas e aumentar o grau de confiança dos materiais produzidos.
Desta forma, a orelha externa começa no que muita gente chama de pavilhão auditivo, que é a parte mais comum no nosso dia a dia, pois faz parte da estética da nossa cabeça. A orelha externa termina, exatamente, no nosso tímpano — a membrana timpânica. A função da orelha externa é coletar as ondas sonoras e proteger a entrada do nosso sistema auditivo. Por isso, a orelha externa também produz a nossa cera de ouvido, chamada pela ciência de cerume. Por isso, quando você remove o cerume com uma haste flexível (cotonete), você está removendo parte da proteção do seu sistema auditivo e, além disso, arrisca perfurar a sua membrana timpânica.
A membrana timpânica — ou tímpano — que é a parede final da orelha externa. Essa membrana é responsável por absorver as ondas sonoras que se projetam pelo ar. Quando a membrana timpânica absorve as ondas sonoras, ela, também, entra em vibração e faz movimentar um sistema bastante famoso de ossos da segunda parte da nossa orelha, que vamos ver logo abaixo.
2ª Parte: orelha média
A orelha média começa logo atrás da membrana timpânica. Existem três ossos — basicamente, “colados” na membrana timpânica — que absorvem as vibrações da membrana timpânica. Esses ossos são bastante populares, e se chamam: martelo, bigorna e estribo. Portanto, enquanto a função da orelha externa é coletar ondas sonoras que viajam pelo ar, a função da orelha média é transformar essas as ondas sonoras em vibrações mecânicas através da movimentação desses três ossos.
Qualquer prejuízo nessa conversão pode resultar em mudanças ou perdas na qualidade do som que nós ouvimos. Um exemplo bem comum — com certeza você já passou por isso também — é a sensação de ouvido tapado ou entupido quando pegamos um resfriado ou uma gripe. O que acontece é o seguinte: existe uma ligação direta entre a orelha média e a parte mais profunda na nossa cavidade nasal. Essa ligação é feita por uma estrutura chamada de Tuba Auditiva — antigamente ela era chamada de Trompa de Eustáquio. Durante um quadro de gripe, onde bastante muco é produzido no nosso nariz, é comum que esse muco atravesse a tuba auditiva e chegue até a nossa orelha média. Adivinha o que acontece? O muco atrapalha a vibração da membrana timpânica e dos ossículos da nossa orelha. Consequentemente, o resultado é a sensação de ouvido tapado ou entupido.
Por outro lado, considerando que nada atrapalhe a membrana timpânica e nem os ossículos, as vibrações dos ossículos são conduzidas até a entrada da terceira parte da nossa orelha:
3ª Parte: orelha interna
No final do estribo, nós temos o começo da terceira parte da nossa orelha, a orelha interna. Essa é a parte mais importante da nossa orelha e, também, a principal responsável por fazer nossa voz ficar diferente na gravação. A principal parte da orelha interna é chamada de cóclea, que é uma estrutura bem parecida com o casco de um caracol. É a cóclea quem recebe as vibrações da orelha média e as transforma em sinal elétrico — sistema nervoso — para enviar ao nosso cérebro.
Além disso, a cóclea é preenchida por líquidos e, dentro dela, também temos algumas células muito especiais, que são responsáveis por converter a vibração dos líquidos — causada pela orelha média — em sinais neurais. Depois, essas células transmitem esses sinais para o nervo auditivo, que é quem leva a informação para o cérebro. Resumindo, quando os líquidos de dentro da cóclea vibram, eles movimentam essas células e, portanto, nós ouvimos o som.
Por que a voz fica diferente?
O que acontece no sistema auditivo para que o som da nossa voz fique diferente na gravação? Pois bem, agora que você já conhece as divisões da orelha e a função de cada uma delas, consequentemente, fica fácil de entender o que acontece.
Primeiramente, dentro da nossa orelha interna, a nossa cóclea fica fixada aos ossos do nosso crânio. Como você sabe, quando nós emitimos algum som com a nossa voz, esse som sai pela nossa boca. Por outro lado, enquanto o som percorre o nosso corpo, ele também faz vibrar uma parte dos nossos ossos, inclusive os da nossa cabeça. Assim, como a cóclea está fixada aos ossos do crânio, se os ossos do crânio vibrarem, a cóclea também irá vibrar. Quando a cóclea vibra, os líquidos de dentro dela também vibram e transmitem sinais para as células da cóclea. O resultado é que você ouve a sua voz através da vibração dos ossos também.
Portanto, na prática, isso significa que, quando você produz a sua própria voz, você ouve o som da sua voz por dois caminhos. O primeiro é o caminho aéreo quando o som sai da sua boca e chega até a orelha externa — escuta por via aérea. O segundo é o som que é transmitido pelos ossos da nossa cabeça e que chegam até a sua cóclea, na orelha interna — escuta por via óssea.
A gravação da voz na prática
Diferente da nossa orelha, o microfone só é capaz de captar as vibrações da sua voz que são transmitidas por via aérea. Ou seja, a única coisa que os microfones captam é o som da voz transmitido pelo ar. O som que é transmitido pelos ossos não conseguem chegar até o microfone. Esse é o principal motivo para você achar estranha as gravações da sua voz, porque na sua percepção faltam as frequências que você escuta por via óssea.
Como usar a gravação para melhorar a voz e a comunicação
A boa notícia é que você é a única pessoa que escuta a sua voz por via aérea e óssea ao mesmo tempo. Todas as outras conhecem a sua voz do jeito que ela soa nas gravações. Uma vez que você sabe disso agora, você pode usar essa informação a favor da sua voz e da sua comunicação. A gravação é uma ferramenta chave para você que quer melhorar as suas habilidades vocais, porque é através das gravações que você consegue saber se você está tendo resultados ou não.
Por exemplo, se você quer melhorar a sua dicção, você pode gravar a sua voz e fazer anotações enquanto você ouve o que gravou, assim você consegue mapear os pontos que você precisa praticar mais. O mesmo serve se você quer aprender a cantar ou desenvolver a sua técnica vocal. O hábito de gravar os seus treinos vai ajudar você a deixar a sua afinação e a sua técnica mais refinada, porque agora você já sabe que a vibração dos nossos ossos pode influenciar na forma como você percebe o som da sua própria voz. Aprimorar a própria voz e a comunicação nada mais é do que um processo contínuo que requer dedicação, prática e, mais ainda, percepção.
Para finalizar, vou deixar um vídeo que produzi há algum tempo onde você vai poder acompanhar de forma visual tudo o que eu trouxe para você nesse texto. Clica e confere!
— Rubens Güths
Fonoaudiólogo (CRFa 3 – 10 775)
Voz & Comunicação
Eficiência, Arte e Ciência em cada tom das suas palavras.